BLOGGER TEMPLATES AND TWITTER BACKGROUNDS »

segunda-feira, janeiro 25, 2010

A Quente

Quando não me dizes nada, acho que morro. Fico como que jogado aos bichos, arrumado para os cantos da vida, fico como corpo doente em fase terminal. Quando nada me dizes, não como, não durmo, e forma-se-me cá dentro um rolo de gritos calados, nos pulmões, na garganta e contra as paredes do estômago,  num centrifugar desesperado.

Queria dar-te colo, embalar-te no meu regaço e dizer-te baixinho que tudo está bem quando acaba bem. Queria adormecer essa tua inquietação, dar conta de todos os teus medos, dissipar a loucura que desliza dentro de ti como uma enguia sem juízo.

Como é que se escreve a felicidade? Como é que digo sobre as minhas pernas enrodilhadas nas tuas, os meus dedos  infiltrados nos teus cabelos, a tua língua a pintar-me a boca a traços grossos?

Queria escrever qualquer coisa, mas só me sai que te adoro. Queria falar sobre a economia e os sintomas de retoma, o perfil dos novos ministros e a impunidade judicial, mas só me sai que te adoro. Discorrer sobre a inconstância do tempo, sobre o esteio que rasgou o Outono, as últimas alterações à lei, o banqueiro constituído arguido, a mediocridade nacional, a decadência do ensino, a propagação da Gripe A, mas só me sai que te adoro.

Tenho ciúmes, nem imaginas (os ciúmes que tenho), queria que fossem só meus, esses milesimos de segundo de atenção que distribuis pelos outros em rateio ao longo do dia. Tenho ciúmes das pessoas com que te cruzas na rua pela manhã, que passam apressadas e sombrias sem te atentar no perfume. Tenho ciúmes da vizinha que partilha contigo o metro quadrado do elevador, respirando ambos o mesmo ar;  e do empregado do café, que recebe o teu pedido; tenho ciúmes da homem da bomba onde enches o depósito; tenho ciumes da doutora da farmácia onde avias as receitas, do tempo que demoras ao balcão, fazendo conversa, conferindo a medicação, pedindo recibos; tenho ciúmes da auxiliar da tua sala, que espaneja e arruma os restos de ti, que sobram pela sala quando já não estás, recolhendo em sacos de aspirador os teus cheiros e essa tristeza que deixas depositados nos cantos. Tenho ciúmes, nem imaginas (os ciúmes que tenho).

A cada dia, a tua imagem se me torna mais familiar: eras uma vez uma estranha, mas agora sorrio em reconhecimento de área, feito parvo, quando te aproximas. Vejo-te ao longe e o meu coração fora do sítio, às tabelas contra as paredes do corpo, num prenúncio de guerra e paz.



Faço-te uma espera, juro, um dia destes. Apanho-te desprevenida, ao saíres de casa, ao chegares ao trabalho..A princípio, fingirás que não me conheces, sim, que não me conheces, e eu rir-me-ei na tua cara porque ainda assim vais tentar fintar o destino.Um dia destes, juro. Não imagino o que te direi, não cheguei a essa parte, pouco interessa aliás, só preciso de descobrir a que temperatura ferves.